domingo, 5 de outubro de 2008

Medo versus Admiração


Agosto 2008 - A Sul

"Tinha muito tempo que ela não amava um homem naquelas areias. Muita gente pensava que ela só sabia brigar, que a vida para ela era um barulho, a ponta de uma faca, o brilho de uma navalha. Se homem valente vira estrela no céu ela um dia estaria entre eles. Mas a vida para Rosa Palmeirão não era só barulho. Do que ela mais gosta, mais do que briga, de cachaça, de conversa, é de estar assim nos braços de Guma, estendida na areia, dominada, mulher, muito mulher, catando a cabeça dele, dengosa. Os seus olhos são fundos como o mar e como o mar variam. São verdes, verdes de amor nas noites do areal. São azuis nos dias calmos, e de cor de chumbo quando a calmaria é apenas o prenúncio da tempestade. Seus olhos brilham. Suas mãos, que manejam facas e navalhas, são agora doces e sustêm a cabeça de Guma, que repousa. Sua boca, que diz palavrões, é terna agora e sorri de amor. Nunca a amaram como ela desejou. Todos tinham medo dela, do punhal, da navalha, do seu corpo bem feito. Pensavam que no dia em que ela se zangasse apareciam o punhal e a navalha, o corpo desaparecia. Nunca a tinham amado sem temor. Nunca ela vira uns olhos límpidos assim como os de Guma. Ele a admirava, não a temia."
in "Mar Morto" de Jorge Amado

O medo e a admiração confundem-se nos olhares que recebo!
Quero um olhar limpo, puro, que veja para além dos artefactos de guerra, que não veja a farda de soldado.
Quero um olhar que me permita devolver admiração!
Quero um olhar que me permita devolver respeito!
Quero um olhar que eu não deseje aniquilar!
Quero, ao ser olhado, perder-me no caminho para o Templo.


3 comentários:

JOSÉ RIBEIRO MARTO disse...

Pretexto para revisitar J.Amado.

cumprimentos infames
_______ JRMarto

deep disse...

Há dias, quando me falaste do livro, fiquei com vontade de o ler. Depois do contacto com este excerto, a vontade acrescenta-se. Logo que possa, hei-de lê-lo.

Obrigada pela partilha. Bjs

Anónimo disse...

Se: "os olhos sao as janelas da alma"
sendo através destes possivel a vislumbrar.
Para que a alma se detenha à janela é preciso que haja algo de interesse do lado de fora , caso contrario Ela
recua para o canto escuro longe da vidraça.