segunda-feira, 7 de abril de 2008

Poema em linha recta

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado,
Para fora da possiblidade do soco;
Eu que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu que verifico que não tenho par nisto neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo,
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu um enxovalho,
Nunca foi senão - princípe - todos eles princípes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana,
Quem confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó princípes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde há gente no mundo?

Então só eu que é vil e erróneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Álvaro de Campos

2 comentários:

Ri_GilMata disse...

Uma belíssima escolha...

\m/afarrico disse...

Viva Vilão Infame!

Por onde tendes andado que nunca nos cruzamos!

Permita-me que me apresente, a mim entidade pérfida que sou, pelo nome que me dão aqueles que mais me temem: sou Mafarrico e tenho por missão, juntamente com os meus ignóbeis irmãos de perfídia e escárnio, a de maldizer, atormentar e converter (por esta ordem) esses a quem chamais de semi-deuses (para nós vulgos anjos)!
Move-nos pois o ímpeto de agradar Àquele que nos guia e apesar dos nossos caminhos não serem o mesmo, são paralelos e descendem num mesmo sentido. Estou certo pois que encontrareis santuário no espaço a que chamamos nosso: a Masmorra Infernal!

Vinde e entrai sem temor onde todos os outros vacilam!

http://amasmorrainfernaldosrsatanas.blogspot.com/

Ah! E se puderes trazei algo que se coma… é que o Maléfico (outra entidade patética que partilha este antro) não dá descanso às nossas reservas alimentícias.

Com os melhores cumprimentos
\m/afarrico